segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A voz que lateja

"O Fluminense cai pra Terceira Divisão. Dito assim, em breve oração, soa como um fiapo de conversa. Papo de segunda-feira chuvosa. Pra chatear tricolor, os irônicos dizem que, felizmente, não existe a Quarta Divisão.

Mal se dão conta de que o desterro de um grande clube não é um martírio solitário. Por tabela, atinge todo mundo. O Flamengo nunca seria o mesmo se não tivesse a fustigá-lo o tenaz fervor do Fluminense. Os dois criaram, juntos, um dos maiores mitos do futebol brasileiro que é o Fla-Flu. Nelson Rodrigues dizia que há um parentesco óbvio entre o Fla e o Flu. Seriam os irmãos Karamazov do futebol. Amor e ódio.Eu, por mim, vivi uma juventude atormentada pelo "frisson" dos jogos entre Botafogo e Fluminense. Era o chamado "clássico vovô". A manchete dos jornais exaltava cada batalha entre os dois mais antigos rivais do futebol carioca. O Fluminense era um pesadelo na vida dos outros times. Tinha mais títulos. Tinha mais nobreza. Os outros tinham escudo. O Fluminense tinha brasão.

Por favor, não queiram ver no flagelo do Fluminense apenas um time de futebol agonizando às portas do inferno. Estamos vendo consumir-se nas chamas de um longo martírio muito mais que uma simples equipe. São centenas de troféus. São vitrais de três cores mágicas a filtrar a luz de tantas glórias. O Fluminense é um hino. É um sonho de menino.

Mário Lago diz que há muito tempo o Fluminense saiu de suas cogitações existenciais. Do alto de seus oitenta anos, tem todo o direito de ignorar o presente do clube. O tempo passado enche de glórias seu bravo coração tricolor. O Carlinhos é que não tem. O Carlinhos, um garoto de 14 anos, ainda tem muito que palpitar, coração na mão, por seu clube tantas vezes campeão. O Fluminense precisa de seu amor. Mesmo que, agora, Carlinhos não tenha coragem de aparecer no colégio vestido com a camisa do Fluminense.

Bem que ele podia mudar de colégio. Chegaria lá, cara nova, metido no uniforme do Vasco da Gama, que é o time da moda no Rio. Carlinhos seria até festejado.

Mário Filho dizia que é mais fácil mudar de mulher que mudar de clube.Pois é esse o caso do Carlinhos. Ele não tem duas caras. Nasceu Fluminense e Fluminense há de morrer.

Pois é pensando no Carlinhos que escrevo sobre o drama do clube tricolor.

Se o Fluminense acabasse, de vez, o mundo ficaria sem graça pro Carlinhos.

Ele não pode, nem quer virar Flamengo, nem Botafogo, nem Vasco. O sentimento clubístico é mais forte que o sentimento patriótico. A criança descobre o clube do coração antes de descobrir a própria pátria. Carlinhos aprendeu a cantar o hino do Fluminense muito antes de aprender a cantar o Hino Nacional. Antes de ouvir falar em Brasil, Carlinhos já ouvia o pai repetir, dia e noite, debruçado no berço: Flu-mi-nen-se! Essa é a voz que lateja nas entranhas de Carlinhos.

O Fluminense é hoje uma paixão golpeada no coração de Carlinhos".

(Armando Nogueira)

2 comentários:

felipe disse...

Em 1998, eu fui um Carlinhos... Eu posso contar com riqueza de detalhes como eu fui um Carlinhos... Eu já morava nesse prédio q hoje moro... qdo acabou o jogo, todos os q frequentavam o play aqui do predio desceram e ficaram gritando lá de baixo "ão ão ão, terceira divisão"... eu fiquei trancado no meu quarto, de porta fechada, deitado na minha cama, chorando... minha irmã tinha 5 anos e nao estava entendendo nada do q estava se passando, acho até q ela nem se lembra dessa historia... Mas entao, fiquei deitado, chorando, mas nao com medo do dia seguinte na escola, mas com medo do q seria do meu time... Meu dia seguinte na escola eu transformei em um dia normal: por baixo do uniforme eu fui com a minha camisa do fluminense, bem com uma filosofia estilo rocky balboa né: "na vida,o importante nao é o qto vc bate, é o qto vc apanha e aguenta ficar em pé"... E meus colegas de escola, qdo me viram com a camisa do flu, ao invés de falarem "3ª divisao", eles me perguntavam pq eu estava com a camisa do flu... e eu dizia q aquilo era igual a um casamento: juntos na tristeza e na alegria!!!

Natália tricolor disse...

É isso mesmo, Felipe. Desse casamento eu nunca vou pedir divórcio. Já passamos muitas tristezas com esse clube, mas eu não me arrependo de nada.

E nem a morte será capaz de nos separar!

Saudações Tricolores