sexta-feira, 16 de novembro de 2012

As cinzas do tetra

ter, 13/11/12

Por Gustavo Poli
 
Na madrugada do último domingo, no Novo Leblon, condomínio da Zona Oeste do Rio, a advogada mineira Denise Rocha Brandão brigava contra os fogos de artifício. Em seus braços, Cecília, sua filha de seis meses, tentava dormir. Denise esbravejava contra o ruído – mas mentalmente sorria. Pensava nos milhares de pés que pulavam no gramado das Laranjeiras. Torcedora do Fluminense, Denise carregava um pequeno segredo sobre aquele gramado.
 
Agora que o chope tricolor já foi bebido (e desbebido), que a alegria já se diluiu, que a felicidade tetracampeã já passou de dia seguinte para sonho seguinte… é hora de contar a história que aconteceu debaixo da multidão. Debaixo daqueles milhares de pés que invadiram o campo da Rua Álvaro Chaves na madrugada de segunda havia um tricolor que não viu o Fluminense ser campeão. Não com esses olhos que a terra há de devorar. Ali, debaixo daqueles milhares de pés que pulavam, sambavam e se moviam… jazia Antonio Carlos Teixeira Rocha. Ou metade dele.
 
O mineiro Antonio Carlos Rocha nasceu em Ubá em 1945 e se tornou tricolor aos 12 anos por influência de um tio. Cresceu, se mudou para Juiz-de-Fora, se casou e teve três filhos: Denise, Simone e Vítor. Como torcedor viu muitos títulos. Viu o Robertão de 1970. Viu a máquina de 1976. Viu o Brasileirão de 84. Viu o tri de 2010. Quando não podia ir ao estádio tinha um ritual. Amanhecia com a camisa. Gostava de ver o jogo na TV sozinho – sem comentários próximos. Nas derrotas ficava mal humorado.
 
No dia 11 de novembro de 2011, sua neta Clara – filha de Denise – celebrou nove anos de idade. Rocha saiu de Juiz-de-Fora e veio ao Rio de Janeiro comemorar numa festinha no Novo Leblon, condomínoo da Zona Oeste. No dia seguinte, foi ao Engenhão e viu seu Fluminense perder para o América-MG – numa derrota que tirou o time do sonho do tetra… então. Foi o último jogo que ele viu num estádio.
Em 5 de fevereiro de 2012, Antonio Carlos Rocha assistiu na TV a vitória do Fluminense sobre o Arsenal de Sarandí por 1 a 0 . Três dias depois, uma embolia pulmonar apanhou Rocha dormindo. Era uma quarta-feira. Ele tinha 67 anos.
 
Rocha era o que podemos chamar de um tricolor ativamente fanático. Viajava para ver o time. Foi a Argentina duas vezes. Foi ao Chile. Viajou para o Nordeste. Tinha um acervo com mais de 100 camisas tricolores. Comprava todo modelo novo que saia – fosse do primeiro, segundo ou terceiro uniformes. Desde sempre, o Fluminense foi seu companheiro. Ao se aposentar, nos anos 90, transformou a paixão em literatura. Ele escreveu e publicou cinco livros sobre o tricolor das Laranjeiras: “Eu sou é tricolor!!!”, “Fluminense, 100 anos de futebol”, “Castilho”, “Castilho Eternizado” e “O Último homem da defesa”.
 
 
Em busca de material sobre o Fluminense, Rocha era incansável. Pesquisava, telefonava, apurava, garimpava em sebos e bibliotecas. Acumulou com isso um acervo de livros, recortes de jornal, revistas, publicações inúmeras. Como sócio-contribuinte, frequentava as Laranjeiras mesmo morando a quase 200 quilômetros. Uma vez no clube, ele conversava, almoçava, vivia o Fluminense.
Rocha tinha especial devoção por Carlos José Castilho, o goleiro dos anos 50 que virou busto no Fluminense. Castilho, que era chamado de “Leiteria” por conta da sorte que o acompanhava (gíria da época), foi o “guerreiro” precursor. Em 1957, amputou o dedo mínimo para voltar a jogar mais rápido. Daltônico e pegador de pênaltis, o goleiro foi bicampeão do Rio-SP e tricampeão carioca – na época em que o Fluminense ganhava muito e magramente, como aliás fez neste Brasileirão. Nas muitas críticas ao “futebol eficiente” que fez o Fluminense ser tetracampeão – um detalhe ficou meio esquecido: o placar mínimo. O sufoco. O 1 a 0. Ou 2 a 1. Ou 3 a 2 no finzinho.
 
Apesar da vantagem imensa na tabela – que desidratou as teorias conspiratórias de ocasião – o Fluminense foi tetra suando. Ganhou muito e de pouco. Quase sempre no limite. Ganhou, em suma, como Fluminense. Teve Fred – implacável. Nem, imarcável. Gum e Eusébio (e Digão) soberanos. Carlinhos e Bruno, oscilantes mas sempre agressivos. Edinho, perseguido e defensivamente decisivo. Jean, criativo e operário. Deco, Thiago Neves, Wágner em brilhos ocasionais. Abel, criticado – mas firme. Mas teve, acima de todos, Diego Cavalieri – o melhor jogador do campeonato.
 
E Cavalieri teve, além do talento, uma impressionante amizade com a trave. Goleiro bom precisa de sorte, diz o clichê (Castilho assinaria embaixo - ou na trave mais próxima). Cavalieri pegou pensamento em 2012 – mas algumas raras bolas que lhe escaparam beijaram o poste – como se o destino estivesse escrevendo Leiteria 2.0 em três cores em cada travessão deste Brasileiro. Ou como se quisesse escrever, a cada vitória magra: “Vence o Fluminense” como Fluminense.
 
No dia 11 de novembro de 2012, Clara Rocha completou dez anos já sem a presença do avô. A família comemorou num playground no Novo Leblon – com uma festinha que aconteceu durante o jogo entre Palmeiras e Fluminense. Pelos fogos de artifício, Denise acompanhava o andamento dos gols. E comemorava em silêncio. O apito final trouxe um festival de estrondos – e a lembrança quase física do pai. Uma sensação algo difusa – que misturava alegria, tristeza, saudade, adeus. E o pequeno segredo guardado. De certa forma, Denise sentiu que o pai fazia parte desse título. Quase… fisicamente.
 
Antes de morrer, Rocha tinha feito um pedido para as filhas: pretendia ser cremado e gostaria que suas cinzas fossem lançadas em dois lugares: metade em Ubá, metade no gramado do Fluminense Football Club nas Laranjeiras. Em março, Denise e Simone foram até Ubá – onde espalharam a primeira metade das cinzas paternas na Praça São Januário. Faltava a segunda parte da missão.
 
 
Como fazer isso? As irmãs guardaram as cinzas remanescentes numa caixa durante três meses. Pensaram em entrar em contato com o Fluminense. Mas, numa sondagem inicial, ouviram que o clube dificilmente permitiria a “homenagem” (temendo, provavelmente, criar uma tradição).
 
Desistiram das vias oficiais, matutaram, consideraram até uma opção cinematográfica: alugar um helicóptero para sobrevoar as Laranjeiras e fazer o lançamento. Optaram por uma alternativa mais singela: o reconhecimento de terreno. No sábado, 5 de julho, Simone – que mora em Muriaé – e Denise – que vive no Rio – foram até as Laranjeiras para “conhecer” o Fluminense. Maridos, filhos e, secretamente, as cinzas de Antonio Carlos, seguiram juntos.
A preparação foi detalhada. Se houvesse uma chance, as irmãs Rocha não queriam perdê-la. Denise e Simone acomodaram as cinzas remanescentes em seis saquinhos plásticos. Guardaram os saquinhos na bolsa de Simone. Chegaram na portaria dizendo que queriam conhecer o clube. Circularam pelas dependências, visitaram sala de troféus, tiraram fotos, foram até a piscina, ao tênis… e, enfim, chegaram ao campo.
 
Era um sábado algo cinza – e as arquibancadas estavam desertas. Não havia viv’alma nas arquibancadas brancas. Denise e Simone examinaram o perímetro e se aproximaram do portão que dava acesso ao campo. Água. Estava trancado. Não havia como entrar. As irmãs se olharam em tristeza cúmplice. Pensaram em subir nas arquibancadas e jogar das cinzas de lá.
- Mas a distância era grande e achamos que as cinzas não iriam chegar no campo – explicou Denise.
Quando estavam prestes a desistir, a surpresa. Um senhor de cerca de 50 anos abriu o portão e entrou no gramado para… correr. Denise e Simone não hesitaram. Desceram degraus de arquibancada em desabalada carreira e partiram. Denise correu para o grande círculo com três saquinhos, rasgando, um por um,e deixando as cinzas do pai flutuarem sobre o gramado. Simone seguiu para a meta da Rua Álvaro Chaves e, debaixo dela, abriu seus saquinhos. A brisa espalhou as cinzas de Antonio Carlos Rocha no gol defendido por Castilho, Veludo, Cavalieri e tantos outros.
 
Um segurança chegou em silêncio. A cerimônia esbaforida tinha sido detectada. Elas precisavam sair. Denise lembrou assim do dia em que se despediu de verdade de seu pai:
- Lá fomos nós… cada uma com as suas porções. Corremos e espalhamos o sonho de uma vida ali! Quando já estávamos terminando um segurança se dirigiu ao campo para pedir que saíssemos. Mas já tínhamos conseguido jogar tudo! Saimos dali acompanhadas pelo segurança. Ele não falou nada e nós também. Acho que no fundo, ele estava respeitando nosso momento. Para nós era o funeral dele.
 
Do pó-de-arroz viemos, ao pó-de-arroz retornaremos – anotaria um frasista mais ousado. O segurança trancou o gramado com cadeado. Denise e Simone foram embora – com a certeza do adeus cumprido. Quatro meses depois, debaixo de milhares de alucinados pés tetracampeões, Antonio Carlos Rocha continuava ali, anônimo. Tinha virado parte física do Fluminense visível – e também do invisível. Como Castilho, Pinheiro, Marcos Carneiro de Mendonça, Nelson Rodrigues e tantos outros… tinha se tornado um pedacinho do Fluminense maior.
 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Centenário do profeta tricolor


Em homenagem aos 100 anos de Nelson Rodrigues, aí vão algumas frases do grande tricolor:


"Comecei a ser pó de arroz desde o paraíso e antes do paraíso. O homem ainda roía pedra nas cavernas e eu era, como agora e sempre, torcedor do Fluminense."

"Amigos, de vez em quando aparece um vascaíno irado, a reclamar: – 'Você não escreve sobre o Vasco!' Pausa e acrescenta, numa irritação maior: – 'Você só escreve sobre o Fluminense'. E, de fato, não há segredo. Todo mundo sabe que existe entre mim e o tricolor um vínculo sagrado. Sou 'pó de arroz' desde cinco anos. De mais a mais, gostar de alguém ou de um clube é um mérito. Triste é não ter um clube. Triste é não ter um amor."

"A Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense."

"Essa torcida abnegada, que nos acompanha; que está com o clube no insucesso ou na glória; torcida que tem fogo nas entranhas - essa torcida, dizia eu, explica a imortalidade do Tricolor. Sem uma torcida fiel, plena de amor, um clube envelhece, agoniza e morre. Mas aquela torcida tricolor do Fla-Flu é tão imortal quanto o seu clube. E foi por isso, que, na competição com o Rubro-negro, ganhou, espetacularmente. Não sei se é a maior e talvez não seja a maior. mas eu direi que a torcida do Fluminense é a mais doce, a mais iluminada torcida do Brasil e do mundo."

segunda-feira, 23 de julho de 2012


Frase de Nelson Rodrigues em foto tirada por mim na Sala de Troféus do Fluminense.

sábado, 21 de julho de 2012

Cento e dez anos


"Convido os leitores a um exercício de imaginação.

Imaginem um clube que perde nove de seus onze titulares, e mesmo tão desfigurado vence o primeiro jogo contra os desertores.

Imaginem um clube que, para festejar seu 12º aniversário, resolve juntar em seu campo os melhores jogadores do país, em um mesmo time, fundando assim a tal Seleção Brasileira.

Imaginem um clube que, com recursos próprios, constrói o primeiro estádio do país, para que a Seleção Nacional pudesse sediar - e vencer - um campeonato continental.

Imaginem um clube que descobre uma falha própria e, sem que nenhum rival solicite, devolve a taça conquistada em campo.

Imaginem "a mais perfeita organização desportiva de todo o mundo" (palavras ditas por um tal Jules Rimet).

Imaginem um clube cujas partidas e personagens tenham inspirado as mais espetaculares crônicas esportivas jamais escritas.

Imaginem um clube que é dado como morto e acabado, mas ressurge das cinzas como uma inabalável fênix.

Imaginem um clube que, onze anos após a primeira "morte", é novamente sentenciado por gregos e troianos - e novamente demonstra que o impossível não existe.

Eis o Fluminense Football Club.

E se passaram apenas cento e dez anos de sua eternidade..."


quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Fluminense e os "Jogos Latino-Americanos"



Depois de ter realizado o sonho de fazer renascer as Olimpíadas, o Barão Pierre de Coubertin desejava expandir o ideal olímpico pelo mundo. No início da década de 20, surgiu a idéia de realizar um evento esportivo na América Latina. Na mesma época, o Brasil almejava organizar competições esportivas em comemoração ao centenário da Independência do país, que ocorreria em setembro de 1922.
            Alguns dirigentes brasileiros tiveram a idéia de internacionalizar o evento. Pessoas ligadas ao Comitê Olímpico Internacional (COI) vieram ao Brasil para promover e tentar viabilizar a realização de uma competição continental. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) pediu ao Fluminense para ser o responsável pela organização desportiva da programação. Inicialmente, o clube recusou, pois não dispunha de instalações para um evento desse porte e por não ter recursos para obras. Como o governo se comprometeu a pagar os gastos, o Fluminense aceitou. Ficou decidido que o estádio seria ampliado e um ginásio seria construído.
Entretanto, uma crise econômica e uma discordância entre o governo e a Comissão Executiva dos Jogos fizeram com que o clube não recebesse o dinheiro necessário para as obras. Para honrar os compromissos firmados pelo país, o Fluminense deu sequência às construções. Foram construídos o ginásio, a pista de atletismo, o stand de tiro, as quadras de tênis e a ampliação do estádio para 20 mil espectadores. Em junho de 1922, o COI oficializou os Jogos e enviou o seu vice-presidente, o conde belga Baillet Latour, para ser o embaixador da entidade na competição.
  Os “Jogos Latino-Americanos”, como ficaram conhecidos, contaram com a participação de 500 atletas de ao menos cinco países (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai). A cerimônia de abertura aconteceu no dia 13 de setembro de 1922, nas Laranjeiras, e teve a presença do presidente brasileiro, de representantes de diversos países e do COI. O mais importante dessa competição foi a grande participação popular – cerca de 162.000 espectadores. O evento também serviu para impulsionar o esporte na região. O Fluminense foi essencial para a realização de tais Jogos, proporcionando apoio estrutural e logístico.
              Nas palavras do conde Baillet Latour: “Quanto ao Fluminense Football Club, podemos, verdadeiramente, dizer que prestou patriótico serviço, aceitando a responsabilidade financeira e técnica dos jogos, em nome do governo e de várias associações atléticas do país, e que firmou um novo e desinteressado marco no campo do serviço público, como instituição atlética particular”. (“História do Fluminense”, p.78)
               Em 1946, um decreto-lei relevou a dívida do clube para com a União em consequência da organização do evento. Os “Jogos Latino-Americanos” foram a primeira competição regional com previsão de acontecer de tempos em tempos. Depois disso, algumas coisas mudaram, ideias surgiram e os Jogos Pan-Americanos como são conhecidos hoje estrearam em 1951, em Buenos Aires.
                Foi assim que o nosso Fluminense fez parte do princípio da maior competição do continente. Só mais uma das inúmeras contribuições do Tricolor para o desenvolvimento do esporte no Brasil.


Fontes:

- Cesar Torres em “Jogos Olímpicos Latino-Americanos de 1922 – Rio de Janeiro”. (http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/158.pdf)
- Paulo Coelho Netto em “História do Fluminense”.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Frases de jogadores

“Passei dez anos no Fluminense, parte da minha vida aconteceu aqui e devo tudo a esse clube. O ano do tricampeonato foi importante, não só pra mim, como para todos os tricolores. O jogo da minha vida pelo Fluminense foi o Fla-Flu de 1983, com aquele gol do Assis no finalzinho. Jamais esquecerei o meu Tricolor.” (Ricardo Gomes)

“O Fluminense tem uma participação muito grande na minha vida. Durante dois anos e meio, eu participei diretamente como jogador. Como torcedor, desde que me entendo por gente torço pelo Tricolor; também torce pelo Fluminense toda a família: filha, neto e genro, que se não fosse torcedor do Flu, naturalmente não se casaria com a minha filha. Temos a maior alegria em torcer pelo Fluminense, que faz parte da nossa família.” (Gerson)

"Gostaria de ter um quarto embaixo das arquibancadas para poder morar aqui nas Laranjeiras." (Romerito)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Torcedores símbolos

Peitão

Fuzileiro naval, campeão de boxe e torcedor símbolo do Flu.

"Era tal a sua dedicação ao Fluminense, que apenas um episódio é suficiente para defini-la:
Realizava-se uma competição de box no estádio das Laranjeiras, sob o patrocínio do Fluminense. Na prova final, deixou de comparecer um dos pugilistas. O povo certamente não aceitaria explicações e os organizadores do programa ficariam em situação embaraçosa, na hipótese de não se realizar o encontro mais importante. Quando os interessados discutiam o assunto surgiu o Peitão, já sabedor do que ocorrera. Aí, demonstrando o seu devotamento ao Fluminense, ofereceu para lutar, dizendo: “Eu vou apanhar muito, porque não treino há mais de um ano, mas assim o nosso clube não ficará mal”. Aceito o corajoso oferecimento, sugeriram a Peitão que combatesse apenas um round, a fim de não se arriscar numa luta perigosa, mas ele respondeu:
- Eu vou defender o Fluminense e o combaterei até o fim.
De fato, bateu-se com tenacidade admirável e só foi vencido por pontos." (Retirado do livro "História do Fluminense" de Paulo Coelho Netto)

Padre Romualdo

Torcedor bastante conhecido no clube nas décadas de 30 e 40. Ele era sócio do Tricolor e frequentava jogos e treinos.

“O padre Romualdo não perdia jogo do tricolor, carregando sempre a máquina com que enriqueceu o documentário fotográfico do Fluminense. Quando o clube perdia, ele, no dia seguinte, não absolvia ninguém. Numa Segunda-feira após contundente revés do Fluminense na véspera, um rapaz procurou-o para descarregar a alma aflita. Padre Romualdo recebeu-o meio azedo; ouvi-lhe todos os pecados – e eram muitos- e a revelação de que se esbodegara durante toda a noite. O caso era sério e o Padre Romualdo advertiu-o com rigor, impondo-lhe severa penitência. Aí, desolado, o rapaz explicou: “Padre, o senhor tem razão, reconheço que procedi muito mal, mas eu fico maluco quando o Fluminense perde”. Padre Romualdo arregalou os olhos, sorriu paternalmente e – suave, compreensivo, indulgente – emendou: “Bem, meu filho, a falta não foi tão grave assim. Você reconheceu o erro e arrependeu-se em tempo, revelando sentimentos nobres. Vá para casa e repasse dez vezes seguidas...o hino do Fluminense!” (Retirado do livro "História do Fluminense" de Paulo Coelho Netto)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pasión Libertadores

O site Pasión Libertadores publicou uma matéria emocionante sobre a torcida tricolor em Buenos Aires, em virtude do jogo contra o Boca Juniors.

Vale a pena conferir o texto, os vídeos e as fotos.

http://www.pasionlibertadores.com/noticias/La-fiesta-de-los-hinchas-de-Fluminense-en-Buenos-Aires-20120308-0026.html

domingo, 4 de março de 2012

O livro e a bola



A mãe de Netinho passava o dia correndo atrás do menino, que por sua vez passava o dia correndo atrás da bola. Gato e rato! Mas Ana Silvestre Coelho era descendente de índios, osso duro de roer, e não entregava os pontos facilmente. Incontáveis vezes buscou o filho nos campinhos maltratados de Caxias, no Maranhão, e o obrigou a estudar, mergulhar nos livros. Zelosa, também temia que o pimpolho se machucasse. Em casa, emburrado, lia de tudo e aos poucos foi tomando gosto, tomando gosto até tornar-se Coelho Neto, presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1926, e um dos mais importantes escritores brasileiros.

- Talvez da infância tenha nascido o sentimento do artista, que depois escreveria “Ser mãe é andar chorando num sorriso! Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer num paraíso”, um dos mais belos poemas de nossa literatura – divertiu-se o intelectual Arnaldo Niskier, colaborador de luxo da equipe A Pelada Como Ela É e presente nas colunas “Gol de Letras”, em 2 de julho, e “Neymarchado de Assis”, em 29 de outubro.

Realmente não foi nada fácil para Dona Ana Silvestre domar o espírito irrequieto de Netinho. Os educadores também sentiram na pele. Em São Paulo, Henrique Maximiano Coelho Neto participou de movimentos abolicionistas e republicanos, entrou em atrito com professores e não concluiu o curso jurídico. Talvez efeito colateral da abstinência ao futebol, problema sanado com a chegada ao Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte dos seus 70 anos e tornou-se grande amigo dos escritores Olavo Bilac e Guimarães Passos.

- No Rio, passou a frequentar o Fluminense e tornou-se um apaixonado torcedor. Chegou a compor um hino para o clube, mas não colou. Perderia para Lamartine Babo com “sou tricolor de coração...” – contou Niskier.

O escritor casou-se com Maria Gabriela Brandão e teve 14 filhos. Os amigos diziam, brincando, que o autor de “O Paraíso” e “Tormenta” gostava tanto de futebol que pretendia montar um time só com a crias. Não era bem assim. O processo industrial corria nas veias em todas as áreas. Coelho Neto, escritor mais lido no país durante muitos anos, também produzia livros sem parar e alguns críticos o chamavam de “fabricante de romances”. Quando não estava escrevendo arrastava a família para o clube, afinal obrigou todos a torcerem pelo tricolor! Seguiu os passos da querida mãe e foi durão com a molecada. Do seu jeito!

- Mas apesar de todos gostarem de futebol, um deles se destacava – revelou Niskier, torcedor do América.

O menino era João Coelho Neto, o Preguinho, destaque absoluto nos rachas do Fluminense. O pai se enxergou ali e, sendo assim, caprichou na vista grossa. Considerado o “príncipe dos poetas brasileiros”, adorava aplaudir as jogadas do filho e volta e meia invadia o campo para agredir os árbitros com sua bengala. O príncipe virava sapo! Mas Preguinho realmente enchia os olhos e talvez tenha sido o mais completo atleta tricolor de todos os tempos. Praticou, além do futebol, nove modalidades: natação, vôlei, basquete, remo, pólo aquático, hóquei, atletismo, saltos ornamentais e tênis de mesa, acumulando 55 títulos e 387 medalhas. O amor pelo Fluminense herdado do pai era tanto que mesmo após a profissionalização do futebol, em 1933, negou-se a receber dinheiro do clube. Alma de peladeiro!!!

- Craque, foi convocado e marcou o primeiro gol do Brasil numa Copa do Mundo, contra a Iugoslávia, em 1930 – recordou Niskier, o acadêmico bom de bola.

Vitoriosos em suas áreas, Coelho Neto enterrou a frustração de não ter sido jogador graças ao talento de Preguinho. Da beira do campo, o intelectual esgoelava-se e virava bicho quando alguém derrubava seu menino. Num Fla x Flu invadiu o gramado e só não acertou mais bengaladas no árbitro porque a turma do deixa disso entrou em ação. Mas ele tinha crédito, afinal sua “bengala” também lutou pela extinção da escravatura e o desmatamento da Amazônia. Preguinho conhecia o gênio do pai e para evitar maiores constrangimentos resolvia em campo. Foi artilheiro do Campeonato Carioca em 1930 e 1932 e, ao todo, emplacou 184 gols com o manto tricolor. Ao receber o título de atleta benemérito do Fluminense deixou aflorar sua alma de poeta: “Eu nem sabia falar direito e o Flu já estava em minha alma, meu coração e meu corpo”. Poesia e futebol. Livro e bola. Pai e filho. Coelho Neto e Preguinho.

Essa coluna foi em homenagem aos tricolores campeões da Taça Guanabara. Um agradecimento especial para o gênio das ilustrações, Cláudio Duarte!

(Por Sergio Pugliese em "A pelada como ela é")