(Carlos Freitas, o Casoba - 21/07/2005)
Como fazia todos os anos, há vários anos, o locutor preparava-se para iniciar sua transmissão. Era para ele o grande dia, quando ele podia reviver seus tempos de maior glória. Ainda era cedo, mas mesmo assim ele já preparava seu microfone e sua garganta para narrar a partida de futebol, que seria o seu grande momento.
E ensaiava:
“Bom dia meus amigos eternos. Mais um 21 de julho. O dia está maravilhoso, como são todos os dias por aqui. Céu azul, sem nuvens. O céu do Céu é realmente celestial!”
Os Tricolores chegavam às dúzias e a festa prometia ser sensacional, como sempre. Ela acontecia há mais de 100 anos, mas a deste ano vinha sendo uma das mais esperadas. Afinal, o Fluminense voltara a ser campeão e havia muita gente nova.
O Anderson Costa era um dos novatos, mas era dos mais empolgados e participativos. Guerreiro, exatamente como sempre fora, nos seus tempos de SempreFlu. Chegara cedo e enfeitara todo o local com bandeiras, bolas e faixas. Ele e Tia Helena cumprimentaram-se efusivamente. Ela, com sua indefectível camisa da Fiel Tricolor, estava alegre, irradiando simpatia e emoção. "O Fluminense é o mais amado do universo", repetia.
Chegavam Tricolores de todas as partes. Famosos e anônimos. Pessoas de todas as épocas. Alguns haviam vivido o início do século XX e trajavam seus chapéus e ternos impecáveis. Outros, mais recentes, preferiam trajes esportivos e a camisa Tricolor.
O pessoal da música reuniu-se no bar. Numa parceria inusitada, dois amigos cantavam uma versão estilizada do hino Tricolor, que combinava samba e bossa nova, piano e violão. Quando terminaram, o aplauso foi geral.
- Ficou divino, Tom! Parabéns Cartola!
- Obrigado, Elis! – retrucou o sambista, com um sorriso que espelhava uma paz infinita.
- Obrigado, meu anjo! – respondeu o maestro - E você, não vai cantar?
- Daqui a pouco. Estou esperando o Bôscoli chegar. Ele vai trazer uma canção nova que acabou de compor: “Jovem Flu no Paraíso”.
- Eu já ouvi. É angelical! Todos os Tricolores precisam conhecê-la, assim na Terra como no Céu. Acho que deveríamos enviar a inspiração para alguém lá de baixo. Que acham? Que tal o Ivan?
- É uma boa idéia! Vamos pensar nisso.
Uma figura séria assistia à cena. Em seu canto, tímido, falando pouco, pensativo e sozinho, mas
atento a tudo. Pensava que mudaram as estações mas nada mudou no amor daquelas pessoas pelo Fluminense. O amor que ele conheceu em Brasília e sempre carregou consigo. “Quem um dia irá dizer que não existe razão pras coisas feitas pelo coração?”.
Em contrapartida, outra figura era falante e extrovertida. Oscar Cox era o mais festejado. Era ele o responsável maior por tudo aquilo. Todos vinham cumprimentá-lo, ao que ele respondia com um largo e orgulhoso sorriso.
As crianças faziam uma grande farra. Corriam em todas as direções. Cantavam canções da torcida, de várias fases do Fluminense. Algumas criaturas iluminadas foram convocadas para olhar por elas, apesar de que nada de mal poderia acontecer por ali, especialmente neste dia, em que a paz e a harmonia imperavam.
Próximo à piscina, um grupo discutia política. Figueiredo gabava-se de ser pé-quente, pois enquanto esteve no poder o Fluminense foi campeão várias vezes. Sérgio Porto nunca concordava com Figueiredo, mas aquele argumento era verdadeiro e ele teve que admitir que foi uma boa fase do clube. Barbosa Lima apenas sorriu e disse: "eu vivi os maiores momentos do Fluminense". Coelho Neto pouco intervinha, mas olhou ternamente para o amigo e profetizou: "os melhores momentos do Fluminense ainda estão por vir".
Nélson estava exaltado.
- Eu estava lá, Mário. Todos os Tricolores vivos e mortos estavam lá. Só lorpas e pascácios acreditavam que o Volta Redonda nos tiraria o título. Estava escrito há mais de 6 mil anos.
Mário Lago respondeu:
- Eu também estava lá, Nelson. Eu também estava. O Fluminense na verdade nunca deixou de
fazer parte das minhas preocupações existenciais.
Flávio Cavalcanti e Jota Silvestre analisavam a televisão e a música brasileira antiga e
contemporânea, mas foram interrompidos por uma enorme algazarra das crianças.
- Ele chegou! Ele chegou!
Ele vinha com o seu traje de sempre: camiseta do Flu, uma bolsa cheia de pó-de-arroz, fita Tricolor na cabeça e muita alegria. Jogava o pó nas crianças, uma a uma, e em quem mais se aproximasse.
- Careca! Careca! Careca! – gritava a criançada eufórica.
Ele olhava para todos com seu largo sorriso. Olhava as camisas, as bandeiras, os Tricolores de todas as épocas, de todos os 103 anos de luta e de glória. "Eu sempre pensei que se realmente existisse o Paraíso, ele seria assim!"
Ximbica estava ocupado. O futebol estava para começar e ele preparava com carinho o uniforme dos times. Os jogadores já se aglomeravam no campo e o locutor já estava a postos em sua cabine:
“Senhoras e senhores, tudo pronto para o início do espetáculo. Jogadores em campo, e agora vem vindo o juiz. Mas... o que é isso, minha gente? Esse juiz está vestido de uma forma muito...digamos, engraçada...”
Os jogadores riram muito com o uniforme do juiz.
- Ô, Lafond! Que roupa é essa?
Ele não se fazia de rogado:
- Vamos lá, vamos lá! Castilho para um lado, Batatais para o outro. Doval para um lado,
Cafuringa para o outro. Tião Macalé para um lado....
O futebol correu às mil maravilhas. As duas torcidas cantavam felizes as mesmas músicas. Todas exaltando a paixão infinita e inabalável pelo Fluminense. Findo o jogo, o presidente eterno entregou a taça para o time campeão e o troféu de artilheiro para Cafuringa, que marcou 4 gols.
- Obrigado, seu Xuarte. – agradeceu o atacante.
- Schwartz, filho. Schwartz.
Missão cumprida, o locutor encerrava sua transmissão.
“Está deserto o campo de jogo. Parabéns ao time campeão. Vamos encerrando nossa transmissão.
Aqui vos fala Oduvaldo Cozzi, seu criado, se despedindo dos amigos ouvintes, Tricolores de todo o univ....”
Parou, diante do grande êxtase que tomou conta do local. Largou o microfone, e foi se juntar aos demais companheiros Tricolores naquele momento sublime.
Ele vinha chegando.
As pessoas se levantavam emocionadas. Alguns aplaudiam. Alguns choravam. De repente, todos cantaram a canção querida, tantas vezes entoada por todos os Tricolores do Céu e da Terra. Aquela que exaltava a sua missão de paz e o quanto ele era bem-vindo. Naquele momento todos sentiram o espírito Tricolor inundado de felicidade e orgulho.
E ele vinha caminhando, com o passo firme e o sorriso largo. Acenava para a multidão e abençoava o povo que o amava. Sua batina era parecida com a que sempre usou em seus tempos terrenos.
Mas agora ela tinha as três cores.
Adivinhem quem era.
sexta-feira, 9 de maio de 2008
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